sexta-feira, 26 de abril de 2013

Quando o poder inebria..................

Paulo Maluf, em 1999, mostra tesouros de sua valiosa coleção de vinhos (Reprodução) De Paulo Maluf a Demóstenes Torres: quem são os enófilos que passaram – ou correm o risco de passar – alguns dias a pão e água
Entre as centenas de ligações telefônicas protagonizadas por Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, e gravadas pela Polícia Federal durante a Operação Monte Carlo, uma chamou especialmente a atenção. Menos pela ilegalidade e mais pelo caráter inusitado do tema. Na conversa, em vez de negociarem propinas, indicações de compadres para cargos públicos ou licitações fraudulentas, o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) pede ao contraventor que compre cinco garrafas de Cheval Blanc, safra 1947, um dos vinhos mais caros do mundo. No Brasil, cada garrafa custa cerca de 30 000 reais.
Numa ligação para tratar do assunto, Gleyb Ferreira da Cruz, um dos braços direitos de Cachoeira, informa ao senador que o valor total das garrafas era de 13 584 dólares – depois de conseguir um desconto de 566 dólares. “Compra tudo”, manda Demóstenes.
Ao ser informado de que três delas estavam com o rótulo estragado, o senador responde: “Nada a ver. Mete o pau. Para muitos, é o melhor vinho do mundo de todos os tempos”. Qual a forma de pagamento?, quer saber Gleyb. “Passa o cartão do nosso amigo aí, depois a gente vê”, fala Demóstenes, pedindo para que seja usado o cartão de Carlinhos Cachoeira.
A encomenda é um sinal dos novos tempos. Enquanto o uísque foi a bebida que dominou as rodas políticas na maior parte do século XX, com Juscelino Kubitschek (Buchanan's, Ballantine's e Chivas entre as marcas preferidas), Jânio Quadros (todas), João Goulart e Fernando Collor (Logan) entre seus grandes apreciadores, o vinho ganhou cada vez mais admiradores na última década. Alguns desses enófilos, entretanto, autoproclamados grandes conhecedores da bebida, já passaram – ou correm o risco de passar – alguns dias a pão e água. Confira:
O poder engarrafado
Demóstenes Torres e Carlinhos Cachoeira
A Operação Monte Carlo da Polícia Federal, que revelou a rede de conexões do contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, com políticos e agentes públicos e privados, atingiu diretamente o senador goiano Demóstenes Torres (sem partido-GO), que teve seu envolvimento com o bicheiro escancarado através de escutas telefônicas feitas pela PF. A série de gravações apontou que um dos políticos mais combativos do Congresso usava sua influência e credibilidade para defender os negócios de Cachoeira em troca de favores – e presentes. Na lista dos agrados, um dos vinhos mais caros do mundo: o Cheval Blanc, safra 1947. Demóstenes, que declara possuir um patrimônio modesto, encomendou ao contraventor cinco garrafas da bebida. No Brasil, cada uma não sai por menos de 30 000 reais. Cachoeira pediu que um de seus assessores providenciasse a encomenda numa loja nos Estados Unidos. O subordinado comprou os produtos com desconto – as cinco garrafas saíram por aproximadamente 14.000 dólares (cerca de 28.500 reais). A aquisição foi realizada em agosto do ano passado. “Manda trazer. Passa o cartão do nosso amigo. Depois a gente vê”, avisa Demóstenes, pedindo ao assessor que use o cartão de crédito de Cachoeira para realizar a compra.
Paulo Maluf
Mesmo já tendo amargado uma temporada atrás das grades e com o nome estampado na lista vermelha da Interpol entre os criminosos mais procurados do mundo, o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) não se constrange de ostentar uma adega que abriga diversos exemplares de alguns dos vinhos mais caros do mundo. Acusado de fraude, roubo e lavagem de dinheiro, o ex-governador de São Paulo é dono de uma das maiores coleções do francês Romanée-Conti – a cada ano, são produzidos apenas 6.000 exemplares da preciosa bebida feita com a uva pinot noir, que são acirradamente disputados por milionários de todo mundo. Uma garrafa da safra atual custa o equivalente a 7 000 reais. Edições mais raras, como a de 1945, podem chegar 145 000 reais. O tesouro engarrafado de Maluf impressionou até o dono da marca, Aubert de Villaine. Em 1995, o então prefeito paulistano ofereceu um jantar em homenagem ao produtor, que teria comentado com alguns convidados: "Nem eu tenho uma coleção como essa de meu próprio vinho", disse, referindo-se às garrafas de seis grandes safras do pós-guerra (61, 66, 71, 78, 85 e 90). Vivendo cercado de tanto luxo – embora jamais abra mais de duas garrafas por jantar –, o que mais horrorizou Maluf enquanto esteve na cadeia foi a qualidade do menu: “A quentinha que me serviram eu não daria nem para o meu cachorro”, disse.
Duda Mendonça e Lula
Dono de luxuosas mansões, fazendas e barcos, o extravagante marqueteiro Duda Mendonça também é grande apreciador de vinhos raros – e caros. Em 2002, o então marqueteiro de Lula ganhou a atenção da imprensa ao presentear o candidato com um Romanée-Conti safra de 1997, avaliado em mais de 6 000 reais, que foi degustado durante o jantar em comemoração ao fim da campanha vitoriosa à Presidência. Para quem realmente conhece a bebida, a atitude é, no mínimo, um sacrilégio. “Não se abre um Romanée-Conti antes de 10 ou até 15 anos”, explica Sylvio do Amaral Rocha Filho, um dos maiores especialistas brasileiros em vinho. “É uma espécie de infanticídio, um esbanjamento desnecessário. A bebida ainda não chegou à maturidade”. Depois de vazia, a garrafa de Duda Mendonça e lula foi exposta no restaurante como lembrança do feito, mas ficou engasgada na reputação do novo presidente, que sofreu críticas por sua atitude contraditória: até então, Lula ainda era visto como o representante dos pobres. Em 2005, um ano depois de ter sido preso numa rinha de galo, Mendonça voltou a estampar as manchetes, dessa vez devido ao envolvimento no escândalo do mensalão. Ele confessou à CPI dos Correios ter recebido de Marcos Valério 10,5 milhões de reais em uma conta nas Bahamas. O dinheiro, proveniente de caixa dois, correspondeu a parte do pagamento pela campanha petista.
Gilberto Miranda
Dono de uma das adegas mais cobiçadas do Brasil, o ex-senador pelo Amazonas Gilberto Miranda coleciona rótulos que vão de Bordeaux a Romanée Conti. No restaurante Fasano, costumava reunir amigos para degustar vinhos de mais de 500 dólares a garrafa – e ficou conhecido pelas generosas gorjetas deixadas para os garçons. Eleito suplente de senador em 1999, Miranda ficou seis anos no Senado pelo PFL, depois de assumir a vaga que era de Amazonino Mendes. Um de seus projetos de lei, que não chegou a ser votado na época, regulamentava a profissão de sommelier. Seu nome esteve envolvido em diversos escândalos políticos, desde a Operação Castelo de Areia, da Polícia Federal, até o dossiê Cayman. Miranda também foi citado em irregularidades durante a implantação do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). Amigo de Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, o ex-senador voltou ao noticiário no ano passado, durante as movimentações para a fundação do PSD. Embora o partido negue, Miranda teria participado das articulações que levaram para a nova legenda o governador do Amazonas, Omar Aziz.
Edemar Cid Ferreira
Nos tempos de bonança, o dono do hoje falido Banco Santos, Edemar Cid Ferreira, costumava reunir-se com outros enófilos paulistanos na mansão do ex-senador Gilberto Miranda para apreciar um bom vinho. Ao som de música barroca, os encontros aconteciam a cada quinze dias, nas tardes de sexta-feira. Nas taças, Bordeaux, Château Petrus e outras preciosidades. Mecenas e ex-presidente da Bienal de Artes de São Paulo, Edemar e a mulher, Márcia, não passavam duas semanas sem dar uma festa no palacete do casal no Morumbi, considerado a maior mansão do Brasil, avaliada em mais de 140 milhões de reais. Entre os convidados, Pedro Piva, Eliana Tranchesi e José Sarney, responsável indireto pela ascensão do Banco Santos. Em 1988, no penúltimo ano de Sarney na Presidência da República, com a captação de recursos dos fundos de pensão estatais, o banco teve um crescimento vertiginoso – que continuou depois da chegada da Era Collor, quando Edemar acabou tendo o nome ligado ao de PC Farias na CPI que levou ao impeachment do presidente. A brincadeira teve fim em 2004, ano em que o Banco Central anunciou a intervenção no Santos. As justificativas: deterioração da situação financeira, atraso no recolhimento de depósitos compulsórios e irregularidades na concessão de empréstimos. O banqueiro chegou a pedir socorro ao amigo José Sarney, que telefonou para o então presidente Lula tentando ganhar tempo para o Santos se reestruturar. Não adiantou e, em 2006, o banqueiro teve que trocar a mansão de 4.100 metros quadrados por uma das celas 2X2 do presídio de Tremembé.

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