sábado, 27 de abril de 2013

Professor de inglês lança livro que aborda a tradição mutável do vinho.....

aul Lukacs na adega de sua casa em Baltimore, nos Estados Unidos Foto: Steve Ruark / NYTNS
Obra de Paul Lukacs explora as evoluções da bebida ao longo da história
O vinho é uma bebida velha, antiga, neolítica. Ele foi consumido ao longo de toda a história de que temos registro. No entanto, o vinho como o conhecemos hoje é relativamente novo. O local onde se originou, o seu gosto, o que representava e o modo como se transformou ao longo do tempo são temas explorados no fascinante novo livro de Paul Lukacs, "Inventing Wine: A New History of One of the World's Most Ancient Pleasures" ("Inventando o vinho: Uma nova história de um dos prazeres mais antigos do mundo", em tradução livre), publicado em dezembro pela W.W. Norton & Co.
Uma coisa fica clara na obra de Lukacs: a maior parte dos vinhos – ao longo de grande parte da história – foi repugnante e desagradável. Se um crítico do passado tivesse nos legado uma resenha acerca da degustação do tipo de vinho que a maioria das pessoas bebia, possivelmente diria "imprestável, horrível, avinagrado, imundo".
No entanto, as pessoas o bebiam mesmo assim, porque não tinham escolha. Outras bebidas, como água e leite, estavam repletas de doenças. O gosto do vinho podia ser terrível, mas tinha um desinfetante embutido: o álcool.
Foi apenas a partir da Renascença, escreve Lukacs (que, quando não está pesquisando vinho, é professor de Inglês na Universidade Loyola de Maryland, em Baltimore), que surgiram noções familiares para discernir características da bebida. Só então os enófilos – um grupo diminuto, para ser claro – começaram a associar estilos particulares e qualidades no vinho a lugares específicos: uma ideia incipiente de terroir.
Além disso, foi apenas nessa época que os enófilos bem informados começaram a perceber que alguns vinhos podiam ser apreciados intelectual e emocionalmente, e não apenas fisicamente, e que os melhores vinhos transmitiam uma sensação de equilíbrio, duração e profundidade.
Contudo, foi realmente com o Iluminismo, no século XVIII, quando uma série de revoluções começou a transformar a nossa compreensão do cultivo da uva, da produção de vinho e do armazenamento do vinho, que a bebida começou a se assemelhar ao que associamos a ela hoje.
— Somos todos filhos do Iluminismo, não de Platão e Aristóteles, mas de Locke e Rousseau — disse Lukacs recentemente, quando almoçamos juntos. — Foi quando o vinho moderno surgiu.
Outras mudanças também ocorreram. À medida que o abastecimento de água foi se tornando mais seguro, as pessoas passaram a não precisar consumir necessariamente vinho. Ele se tornou uma escolha. Era possível apreciá-lo em vez de bebê-lo, de modo que o vinho tinha de se tornar mais atraente.
No entanto, no início do século XX, o vasto conjunto de vinhos existentes podia ser dividido em dois grupos: uma pequena quantidade de vinhos finos, ou "vin fin", apreciada pelos paladares exigentes; e a maioria dos outros vinhos, "vin ordinaire", baratos e abundantes, mas não muito bons e frequentemente muito ruins.
— A diferença entre os melhores vinhos e os outros era fenomenal — disse ele.
O vinho gozou de uma breve era dourada no século XIX, com a rápida ascensão de uma classe média com recursos econômicos e aspirações culturais. No entanto, enfrentou um período difícil no final do século XIX, quando os vinhedos europeus foram atacados por pragas, contratempo seguido por guerras mundiais, depressão econômica, a moda das aguardentes e dos coquetéis e a Lei Seca. Ainda assim, o vinho veio a ressurgir na segunda metade do século XIX.
De modo talvez um pouco presunçoso, Lukacs e eu – enquanto dividíamos uma garrafa de Il Frappato, um tinto deliciosamente fresco da produtora Arianna Occhipinti, da Sicília – concordamos que tivemos sorte por viver nos dias de hoje, talvez a melhor época da história para ser um enófilo. Sentados em um restaurante de Nova York, tínhamos acesso a uma diversidade de vinhos maior que a experimentada em qualquer outro momento da história, tendo acesso a rótulos de bem mais locais e em estilos.
O Il Frappato era uma ilustração perfeita do quanto o mundo tinha mudado não apenas em dois mil anos, mas nos últimos 25. Na década de 1980, poucas pessoas já tinham ouvido falar da uva frappato, e grande parte dos vinhos da Sicília era considerada pesada, oxidada ou simplesmente ruim. A Sicília talvez tenha sido um dos últimos bastiões do "vin ordinaire". No entanto, hoje dá origem a vinhos esplendorosos.
Lukacs, de 56 anos, que cresceu na Filadélfia, disse que sempre teve interesse pelo vinho. Seu pai, húngaro, bebia vinho regularmente. Contou, porém, que se interessou de fato pelo vinho ao cursar pós-graduação na Universidade Johns Hopkins, quando se juntou a um grupo de estudos que rapidamente se revelou um grupo de enófilos.
— O que me interessava no vinho era o fato de ele ser muito, muito rico intelectualmente — disse ele. — A pessoa não precisa conhecer o vinho, mas acaba querendo saber mais sobre ele.
Além de se dedicar à pesquisa acadêmica, Lukacs escreveu uma coluna sobre vinhos para o jornal The Washington Times durante 19 anos e publicou dois outros livros a respeito, "American Vintage: The Rise of American Wine" ("Safra americana: o despertar do vinho americano"), em 2000, e "The Great Wines of America: The Top Forty Vintners, Vineyards, and Vintages" ("Os grandes vinhos dos Estados Unidos: os 40 melhores viticultores, vinhas e safras"), em 2005.
Entre as ideias mais interessantes defendidas por Lukacs em "Inventing Wine" está a de que a "tradição" do vinho é completamente mutável. A noção do passado ilustre de Bordeaux, por exemplo, é bem mais uma criação dos proprietários do século XIX que construíram castelos em estilos arquitetônicos mais antigos na tentativa de transmitir um sentimento de legado. O marketing de vinhos da atualidade, ao enfatizar a herança e a continuidade, baseia-se na mesma fonte.
Por que o vinho teve um gosto tão ruim por tanto tempo? Como qualquer um que já tentou produzir vinho sabe, a exposição ao ar, à sujeira e a uma série de outras substâncias pode fazer com que ele se estrague. Ele não se torna insalubre assim: apenas fica com mau gosto. Portanto, para enófilos antigos e não tão antigos, o desafio era evitar que o vinho se estragasse após a fermentação do suco de uva.
Até o século XIX, quando se tornou possível produzir garrafas de vidro em massa, diz Lukacs no livro, isso foi quase impossível. Recipientes antigos, feitos de barro ou de madeira, podiam armazenar grandes quantidades de vinho. Mas assim que começávamos a esvaziá-los, o ar entrava em cena com todos os seus companheiros microbianos.
Tentando compensar os sabores azedos, avinagrados, os antigos viticultores acrescentavam todos os tipos de aromas. Especiarias, sim, mas também piche e cinzas, e até mesmo chumbo e lixívia. Os clientes mais abastados conseguiam bancar aditivos de uma estirpe superior, como temperos e ervas.
Por fim, os antigos viticultores descobriram técnicas para fazer vinhos mais duradouros, como secar as uvas antes de fermentá-las, uma prática envolvida na produção também de vinhos modernos, como o Amarone. Esses vinhos de uvas secas se tornaram muito apreciados, emblemas de uma situação social privilegiada, prenunciando, como escreve Lukacs, o futuro papel do vinho como um símbolo de status.
— O vinho era uma maneira de mostrar que as pessoas tinham um gosto distinto — disse Lukacs durante o almoço. — Mesmo no mundo antigo, havia distinções reais entre o que os patrícios bebiam e o que os plebeus bebiam.
Algumas coisas não mudam nunca.
THE NEW YORK TIMES NEWS SERVICE
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