Vinho e uma arte ele tem que ser respeitado como se respeita a uma mulher tem que ser valorizado como se valoriza uma mulher tem que ser guardado no lugar certo como se guarda uma mulher tem que ser bebido como se beija uma mulher e se você fizer tudo isso e um pouco mais você vai perceber o enorme prazer de ter tido paciência e respeito por esse que e uma experiência única, pois vinhos são como as mulheres se bem tratados se mostram com enorme formosura e elegância.
sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015
O vinho no Brasil, preso em sua própria armadilha......
Para estimular o consumo da bebida, fabricantes e comerciantes enfatizaram atributos que, agora, acabam limitando a popularização do produto
Recentemente, um grande jornal brasileiro publicou matéria na qual destacava a estagnação do consumo de vinho no Brasil nos últimos anos, a despeito da bebida ter se tornado moda em alguns círculos sociais. E, curiosamente, um dos motivos apontados para o não crescimento foi o de “excesso de regras e formalidades em torno da bebida”, que teria feito proliferar um personagem até então raro nas mesas brasileiras: o “enochato”. O “enochato” é o sujeito que entende – ou diz entender – de vinhos e que, com seus procedimentos de avaliação e degustação da bebida, acaba impressionando e constrangendo os circunstantes. Resultado: ele inibe os demais de escolherem e beberem vinho despreocupadamente, temerosos de cometerem alguma gafe. No fim das contas, acabam optando por uma cerveja ou refrigerante, para não correrem riscos de censura. Os próprios especialistas admitem que o “enochato” não é a causa principal da dificuldade em popularizar a bebida, mas reconhecem que o mito que cerca o vinho desestimula o seu consumo. Não deixa de ser uma ironia. Boa parcela da tentativa de difusão do vinho entre os brasileiros nos últimos 10 anos esteve calcada no estímulo à ritualização em torno da bebida, que fez proliferar os cursos de degustação e as confrarias. Até pelo fato do vinho ser uma bebida menos comum no país, aproveitou-se para revesti-lo de vários significados e regras, sugerindo que somente um preparo técnico apurado estaria à altura de tamanha complexidade. Da ritualização para o esnobismo foi um pulo: entender de vinhos, ou dizer-se entendedor, tornou-se um pequeno símbolo de status, conduzindo ao surgimento dos tais “enochatos”.
O case de marketing do vinho brasileiro poderia ser perfeito, não fosse esse detalhe final. O vinho é um produto capaz de atender a todas as principais formas de consumo existentes: funciona como uma experiência, desfrutada a partir da apreciação e do julgamento do produto; permite a integração social, através da participação em uma comunidade de interesse; pode funcionar como uma finalidade em si mesmo (beber por beber, pelo prazer), assim como servir de fator distintivo aos seus apreciadores. Ou seja: é um produto cujo consumo pode ser estimulado por diversas vias, o que, em tese, deveria contribuir para democratizá-lo. Sorte a do profissional de marketing que tem em mãos um produto assim...
O problema é que, historicamente, o consumo de vinho é associado à detenção de algumas habilidades e ao cumprimento de certas formalidades. E, em um país de pouca tradição na apreciação da bebida, é normal que estes conhecimentos e rituais tenham sido enfatizados como forma de estimular seu consumo e diferenciá-lo de bebidas populares entre os brasileiros, como a cerveja e a cachaça. Sabe-se que em outros países, como Itália, França ou mesmo Argentina, convivem harmoniosamente o ritual e o trivial: conservam-se os espaços voltados à apreciação técnica do vinho, sem, contudo, que se deixe de tomá-lo cotidianamente, alheio às etiquetas. Mas, por aqui, fez-se questão de conferir à bebida uma aura de sofisticação capaz de tornar seu consumo, antes de um prazer, um atributo distintivo, um emblema pessoal de requinte. Criaram-se, assim, as condições que por um lado conduziram a um interesse pelo vinho, mas, por outro, travaram sua expansão a partir de um determinado ponto.
Armadilha insolúvel para produtores e comerciantes da bebida? Nem tanto. Até início da década de 90, os fabricantes de bens de luxo viviam, no mundo todo, situação semelhante à do vinho no Brasil: a dificuldade de expansão dos negócios devia-se não só ao preço das mercadorias, mas à inibição que provocavam no consumidor – já que, tradicionalmente, o luxo evoca também um certo conjunto de conhecimentos para sua “correta” apreciação e utilização. A solução encontrada pelas grandes grifes foi a da desmistificação, aproximando o luxo dos bens de consumo convencionais: desenvolveram-se segundas marcas, a fim de comercializar produtos mais baratos, e passou-se a associar o luxo não só ao status social, mas ao prazer individual. Estava preparado o terreno para a grande expansão do mercado de luxo mundial, aquela que o transformou em um setor econômico à parte.
Com o vinho, pode acontecer o mesmo. O crescimento do interesse pela bebida ocorreu em um contexto especial: o fim da inflação e o incremento das importações, que mudaram o panorama do consumo no Brasil. Observou-se desde então uma sofisticação dos gostos das camadas médias, expresso no aumento da frequência a atividades culturais e a viagens ao exterior, bem como da procura por cursos de todos os tipos (história da arte, filosofia, gastronomia, etiqueta e, claro, vinho). Desenvolveram-se, neste período, novos referenciais do que seriam objetivos e necessidades para este estrato social. O vinho inseriu-se nesse contexto, funcionado como um dos elementos de socialização de parte dos consumidores brasileiros numa nova realidade. Nesse sentido, reproduziu-se no Brasil, em menor escala, fenômeno semelhante àquele observado nos Estados Unidos das décadas de 50 e 60, quando também se acompanhou, devido ao enriquecimento da população, uma sofisticação dos gostos e paladares. Com o tempo, novos produtos e hábitos tomarão o lugar do vinho, e a vigilância dos “enochatos” cairá em desuso.
Lembremos que, até há alguns anos, rúcula e tomates secos tiveram lugar de honra nos cardápios, e hoje são ingredientes regulares; estrogonofe, até décadas atrás, e foundue, mais recentemente, eram sinônimos de pratos sofisticados, reservados às ocasiões especiais. No exterior, atualmente já aparece como tendência a transformação de ingredientes banais, como o sal (!!!), em sutis elementos de prestígio, pretensamente demandantes de um certo connoisseurship, tal qual o exigido pelo vinho e pela alta gastronomia. Moral da história: a roda do consumo gira, pois é indissociável da dinâmica social. Hábitos e modas vão e vêm, e os significados atribuídos a produtos e serviços mudam com o tempo. Chegará o dia em que o solo brasileiro estará fértil para que indústria e comércio vinícola estimulem um consumo mais descontraído e orientado unicamente pelo prazer. Longe da mira dos “enochatos”, será a hora de aproveitar a oportunidade.
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