quinta-feira, 21 de março de 2013

Reflexões sobre o mercado de vinhos no Brasil....

A imensa polêmica causada pelo pedido de salvaguardas à importação de vinhos no Brasil, ou seja, a imposição de barreiras à importação de vinhos europeus e de países fora do Mercosul, com a possibilidade de medidas como o aumento do imposto de importação e/ou adoção de cotas de importação, merece uma análise mais detalhada, técnica e livre de paixões.
É evidente que nada no mundo do vinho é isento de paixões e por esta razão tanta discussão está acontecendo em todos os ambientes onde o vinho é o principal protagonista.
Estamos falando de importadoras, lojas especializadas, restaurantes, escolas de sommeliers, supermercados e milhares de pequenos comércios por todo o país, onde se vende vinho brasileiro e importado. Estamos falando, inclusive, dos próprios produtores nacionais, pois, ao que se sabe, mesmo entre eles não existe unanimidade a respeito das medidas propostas por algumas de suas entidades representativas.
Uma medida como a que estão propondo as entidades gaúchas, ou seja, o Instituto Brasileiro do Vinho (IBRAVIN), a União Brasileira de Vitivinicultura (UVIBRA), a Federação das Cooperativas do Vinho (FECOVINHO) e o Sindicato da Indústria do Vinho do Estado do Rio Grande do Sul (SINDIVINHO), pode desorganizar todo o setor, causando o desemprego de milhares de pessoas, especialmente no Estado de São Paulo, onde se concentram, segundo dados atuais, cerca de 50% do mercado brasileiro de vinhos. Moderna loja de vinhos, em São Paulo
Isso sem se considerar o alto investimento feito por muitos empresários, que nos últimos anos se voltaram para o mercado de importação de vinhos, abrindo centenas de novas importadoras, e por consequência, novos empregos, acreditando que o Brasil estaria no caminho do livre mercado, sem as restrições e privações vividas num passado não muito distante.
Realmente, quem viveu os últimos anos da euforia propagada pelo governo, vendendo a ideia de um país livre, crescendo de forma saudável, com livre economia de mercado e com melhoria no poder aquisitivo da população, jamais poderia imaginar que alguém cogitasse uma medida desse teor, daí a surpresa e a indignação de todos aqueles que acreditaram no cenário otimista e investiram num negócio que parecia ser muito promissor.
Também seriam duramente penalizados os jovens que investiram ou estão investindo tempo e dinheiro para se preparar para entrar na carreira de sommelier ou consultor de vinhos, visando trabalhar em restaurantes, importadoras ou lojas especializadas.
Certamente o mercado de trabalho será drasticamente reduzido para eles, frustrando expectativas e projetos de vida. Será que ninguém pensou nisso? Por outro lado, quem, como nós, acompanha o dia-a-dia do vinho nos últimos 15 anos, só tem boas notícias sobre o vinho brasileiro, com a conquista de novos mercados, vultosos investimentos em marketing, notas favoráveis nas publicações nacionais e internacionais, além de sinais inequívocos de prosperidade, dando mostras de se tratar de uma indústria saudável e em plena evolução.
Os sinais de prosperidade do negócio do vinho no Brasil
Quem visitou o Bento Gonçalves há 15 anos e repete a visita hoje, não vai acreditar que a indústria do vinho brasileiro possa estar passando por sérias dificuldades. Pelo menos é isso que os investimentos em novas e modernas instalações, como Miolo, Salton e Valduga, só para citar as mais conhecidas, mostram de forma cabal e inequívoca. Vale registrar também que, ano passado, a Miolo, uma das maiores vinícolas nacionais, adquiriu a antiga Almadén, que pertencia a um grupo multinacional.
Miolo, no Vale dos Vinhedos
Modernos projetos de vinícolas-boutique começam a surgir, alguns com grande destaque, como é o caso de Almaúnica e Luiz Argenta, que fariam sucesso em qualquer lugar do mundo. Nada que sugira dificuldade ou decadência, muito pelo contrário.
Luiz Argenta, moderna vinícola em Flores da Cunha, na Serra Gaúcha
Além disso, se estabeleceu na Serra Gaúcha uma próspera indústria do Eno-Turismo, que a cada ano se desenvolve ainda mais, levando milhares de turistas brasileiros e de outros países para conhecer nossa principal região vinícola, hoje dotada de modernos hotéis e ótimos restaurantes para receber os visitantes.
Almaúnica, vinícola-boutique no Vale dos Vinhedos
Jornalistas, entre os quais me incluo, do Brasil e de todo o mundo foram e são convidados a conhecer os vinhos brasileiros em suas regiões de produção, por meio do Projeto Imagem, patrocinado pelo IBRAVIN, conhecendo as diferentes vinícolas e desfrutando da exemplar hospitalidade gaúcha.
Almaúnica, vinícola-boutique no Vale dos Vinhedos
Jornalistas, entre os quais me incluo, do Brasil e de todo o mundo foram e são convidados a conhecer os vinhos brasileiros em suas regiões de produção, por meio do Projeto Imagem, patrocinado pelo IBRAVIN, conhecendo as diferentes vinícolas e desfrutando da exemplar hospitalidade gaúcha.
Salton, em Tuiuty
As variáveis do consumo de vinho no Brasil
Uma das soluções que está sendo proposta para escoar um hipotético excesso de estoque das vinícolas brasileiras seria uma ampla campanha para aumentar o consumo de vinho do Brasil.
Evidentemente, todos nós que de alguma forma trabalhamos nesse mercado, entendemos que esta seria uma medida salutar e muito bem vinda. Por um lado atrairíamos o consumidor de destilados, com evidentes repercussões favoráveis à saúde, pois é comprovado que este benefício pode se gerado pelo consumo moderado e regular de vinhos e por outro, traríamos o vinho para o centro das preferências do consumidor brasileiro, o que agradaria a todos os elos da cadeia do negócio do vinho.
Esse seria o cenário dos sonhos de todos, especialmente se nesse sonho estivesse previsto que os consumidores dariam preferência, de livre e espontânea vontade, para o vinho produzido no Brasil.
Mas será que isso já não está ocorrendo? Segundo dados do próprio IBRAVIN, publicados pela revista IstoÉ (ver gráfico), se considerarmos o mercado nacional como um todo, ou seja, incluirmos todos os vinhos vendidos no Brasil, de mesa, finos e espumantes, os brasileiros abocanham nada menos que 77,40% do mercado, ficando os importados com a menor fatia, ou seja, 22,60%. Estamos falando de 265,2 milhões de litros contra meros 77,6 milhões de litros por ano.
Os números reais do mercado de vinho no Brasil, com e sem manipulação
No entanto, por razões inexplicáveis, tanto os vinhos de mesa, preferência da maioria da população brasileira e nossos conceituados espumantes ficaram de fora da conta. Por qual razão? Não são vinhos? Claro que são. Estes dados, manipulados indevidamente, viraram o placar a favor dos importados, pois quando se excluem os vinhos de mesa e os espumantes, os nacionais ficam com 21,20% do mercado (19,5 milhões de litros/ano) e os importados com 78,80% (72,7 milhões). Dados manipulados, retrato fora de foco do mercado, conclusões erradas, medidas indevidas - eis a fórmula do desastre certo, no caso, líquido e certo.
As razões do sucesso dos vinhos importados
Deveríamos perguntar aos maiores interessados, ou seja, os consumidores, quais as razões da preferência pelos vinhos importados, quando o assunto são os vinhos tranquilos, ou seja, não espumantes, de uvas viníferas, tintos e brancos, pois é exatamente disso que se trata. Note que estamos falando de uma pequena parcela do mercado.
Poderíamos, com base em muitos anos de contato direto com o consumidor brasileiro, citar algumas razões deste fato.
De modo geral, o brasileiro que não é iniciado em vinho, e bebe por puro prazer (a imensa maioria, diga-se de passagem), prefere vinhos produzidos com uvas não viníferas e aqueles com um pouco mais de informação, preferem os vinhos de viníferas com leve teor de doçura, ou pelo menos que transmita essa sensação, sem amargor e com pouca ou nenhuma sensação de adstringência, ou seja, de boca seca.
Em outras palavras, vinhos fáceis de beber, sem precisar de grandes malabarismos mentais e/ou conhecimentos específicos sobre o assunto. Para se conseguir esse tipo de vinho, em se tratando de uvas tintas, é necessário um clima adequado, que propicie perfeitas condições de amadurecimento das uvas, o que certamente resultará na perfeita maturação dos taninos, o que se traduzirá em vinhos macios, sem amargor e sem adstringência.

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